Com a promessa de ser prioridade no novo mandato do governador Eduardo Leite, a educação gaúcha ganhou dois reforços importantes: as consultorias de entidades com o know-how de como implementar as mudanças já ocorridas no Ceará e em Pernambuco. Nos últimos anos, os dois Estados do nordeste do Brasil se tornaram referências nacionais no ensino público.

O Ceará melhorou seus indicadores tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio e trará sua experiência na área de alfabetização. Enquanto isso, Pernambuco servirá de modelo especialmente na implementação do Ensino Médio em tempo integral, o que tem rendido bons frutos no que se refere à redução da distorção idade-série e da evasão escolar.

— A gente não precisa mais de modelos internacionais. Ambos (Ceará e Pernambuco) são exemplos muito mais próximos da nossa realidade e têm mais de 20 anos de continuidade, independente do governador, do partido que entrou. Estamos seguindo esses exemplos e, nos próximos anos, vamos trabalhar em regime de colaboração — relata a secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira.

A gestora estadual entende que, se já há modelos que deram certo em outros locais do país, não há por que não se espelhar neles.

— É claro que a gente não vai copiar de lá e implantar aqui. Para a alfabetização, por exemplo, quem vai elaborar o material didático são os nossos professores, recrutados de escolas municipais e estaduais, até porque, depois que eu for embora, temos que ter gente efetiva da rede sabendo como fazer. É assim que se mantém uma política pública — observa.

As consultorias têm duração prevista de três a quatro anos. Nesse período, serão feitas capacitações para coordenadores e profissionais da rede, que servirão de multiplicadores desses conhecimentos em suas regiões e municípios.

Alfabetização

O foco na alfabetização busca combater a desigualdade educacional, que começa já na infância.

— Até cinco, seis anos, crianças mais ricas têm contato com 30 milhões de palavras a mais do que aquelas com nível socioeconômico menor. Uma criança sozinha em casa com o irmão mais velho, porque a mãe saiu para trabalhar e o pai nem existe, quando tem seis anos e vai ser alfabetizada, tem um repertório cognitivo, afetivo e emocional muito menor. Aí começa a desigualdade — explica a secretária.

A consultoria sobre alfabetização será feita pela Associação Bem Comum, criada por especialistas que participaram da reforma educacional do município cearense de Sobral, onde o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental passou de 4,0 em 2005 para 9,1 em 2017 e, em 2021, ficou em 8,0. Foi a experiência de Sobral, encabeçada pela atual secretária-executiva do Ministério da Educação (MEC), Izolda Cela, que, depois, foi replicada para os demais municípios do Estado nordestino. Entre 2005 e 2021, o Ideb do Ceará subiu de 2,8 para 6,3. No mesmo período, o RS também registrou melhoria nessa etapa, mas menor – tinha 4,3 e passou para 6,0.

O segredo no Ceará foi criar um pacto pela alfabetização junto aos municípios, que têm grande participação nessa etapa da escolarização das crianças, já que os Anos Iniciais são de responsabilidade das prefeituras. No RS, apesar de a oferta dessa etapa ser compartilhada com a rede estadual, a ideia é fazer o mesmo, por meio de um programa nomeado de Alfabetiza Tchê, que integra o governo do Estado e as prefeituras gaúchas em um mesmo objetivo: mitigar a defasagem na aprendizagem entre os alunos dos Anos Iniciais, que foram os mais impactados pela pandemia.

— Nenhuma criança de sete anos sozinha em casa, com um celular na mão, vai se alfabetizar. O Alfabetiza Tchê é uma das nossas ações prioritárias e, nele, vamos trabalhar em parceria com os 497 municípios do Estado. No Brasil, inventaram essa jabuticaba de dividir a escola pública em estadual e municipal, mas estamos aprendendo a trabalhar melhor a questão educacional no nível territorial — pontua a secretária.

Ao longo de 2022, as ações e o desenho do Alfabetiza Tchê foram desenvolvidos pela Associação Bem Comum, junto à Secretaria Estadual de Educação (Seduc), à União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e à Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs).

A parceria é inspirada no Programa de Alfabetização na Idade Certa, do Ceará. A implementação envolve o acompanhamento por parte de uma equipe, de forma presencial e remota, e a formação de um grupo que coordenará o trabalho com a metodologia dentro da Seduc. Atualmente, está sendo debatido o modelo das formações de professores, gestores e equipes técnicas, bem como o material complementar a ser disponibilizado para os estudantes.

Tempo integral

Outra ação prioritária da rede estadual gaúcha é a ampliação da oferta de Ensino Médio em tempo integral – a promessa é, em quatro anos, passar de 18 para 550 escolas com um período ampliado de cinco para sete horas diárias, o que representa cerca de metade do total de instituições que oferece a etapa.

Em Pernambuco, três em cada quatro instituições públicas de Ensino Médio são de tempo integral. O investimento nesse formato começou no início dos anos 2000. Desde então, o Estado do Nordeste passou da vigésima, em 2005, para a quarta posição, em 2021, no Ideb dessa etapa.

Todo esse processo foi iniciado no final dos anos 1990 por Marcos Magalhães, então CEO da Philips na América Latina e hoje presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), que fará a consultoria para o governo gaúcho. Na época, o executivo pernambucano se surpreendeu ao ver a escola onde havia estudado – o Ginásio Pernambucano, que também instruiu nomes conhecidos como Ariano Suassuna e Clarice Lispector – fechada e com uma infraestrutura em más condições. Magalhães resolveu, então, mobilizar setor público e sociedade civil para recuperar o prédio e desenvolver um projeto pedagógico piloto de excelência no local, e foi aí que foi concebido um modelo de educação em tempo integral.

— Criamos esse modelo a partir de evidências que já nos anos 2000 se apontavam. Uma delas é que a juventude não era vista como parte da solução, e sim como parte do problema. Ou seja: parte das soluções apontadas não eram políticas afirmativas, e sim de ocupação do tempo do jovem, que não asseguravam uma educação básica de qualidade para ele entrar bem no mundo do trabalho — relata a diretora pedagógica do ICE, Thereza Barreto.

Outro foco foi a alta evasão escolar entre alunos do Ensino Médio, que demonstrava o desinteresse dos jovens pela escola. O desafio era pensar em uma escola capaz de interessar ao estudante.

— A escola tem que ser um lugar muito atraente e, em geral, não é, porque o currículo não interessa. Com o Novo Ensino Médio, temos uma tentativa promissora de assegurar que o jovem se aprofunde no que se interessa. Outra frente é tornar o estudante parte do processo de gestão da escola, criando oportunidade para que ele atue como protagonista e seja parte das soluções — relata Thereza.

No RS, a proposta é ajudar na implementação dessa metodologia nos próximos três anos, a fim de torná-la uma política pública. Segundo a diretora pedagógica do ICE, o fato de a rede estadual gaúcha ser muito grande, com mais de 2,3 mil escolas – Pernambuco tem 1.058, ou seja, menos da metade – torna o processo desafiador.

— Estamos em fase de planejamento, mas o ICE trabalha com a premissa da replicabilidade. Trabalhamos para transferir o que sabemos para a equipe dentro da Seduc para, quando sairmos, em 2025, ela dê andamento à formação — explica Thereza.

A ideia da Seduc é criar uma política de educação em tempo integral que inclua a oferta de disciplinas de Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Cultura Digital e Tecnologia, já previstas no Novo Ensino Médio, e que tenha clubes juvenis e disciplinas eletivas. A criação desses clubes e disciplinas deve ocorrer neste e nos próximos anos.

Fonte e imagem: Zero Hora