Gestão escolar: como diagnosticar as necessidades formativas dos professores
- Em 23 de fevereiro de 2023
Escutar, observar e conhecer a realidade da equipe docente é fundamental para engajar os educadores e identificar temas que irão ajudá-los a lidar com os desafios de 2023
No começo do ano letivo, além do diagnóstico dos estudantes, é fundamental que os gestores escolares façam o levantamento das necessidades formativas dos professores. Com essas informações em mãos, o Projeto Político Pedagógico (PPP) atualizado e o planejamento anual, é possível organizar encontros formativos que vão apoiar o corpo docente ao longo de 2023, considerando, especialmente, que os efeitos da pandemia de Covid-19 ainda pairam sobre a Educação.
“Esse diagnóstico é importante porque ajudará os professores a enfrentarem desafios concretos, construindo conhecimentos na prática. O diretor e o coordenador pedagógico, juntos, têm a responsabilidade de promover esse levantamento”, afirma Sonia Guaraldo, consultora pedagógica e especialista em formação continuada no Instituto Gesto.
Mas, como fazer isso e por onde começar?
Não há diagnóstico sem escuta
Sonia explica que, na prática, o que acontece na maioria das vezes é que os gestores, ou a própria Secretaria de Educação, definem temas de formações que são coletados com base nos resultados de avaliações. Olhar para o que os alunos têm dificuldades e entender os desafios do professor em ensinar aquele tema é indispensável para planejar pautas formativas. Por outro lado, a especialista defende que a gestão não deve se limitar a apenas essa estratégia.
“Nem sempre os dados de avaliações são suficientes para entendermos realmente o que os professores não sabem e no que precisam avançar. Então é crucial, primeiramente, ouvi-los”, diz. Além disso, há o aspecto do engajamento. “Os professores precisam reconhecer as suas dificuldades, participar das escolhas [dos temas] e manifestar o que não sabem. É necessário que isso seja verbalizado por eles. A escuta é um ponto crucial para que se engajem e vejam sentido na formação que estão fazendo.”
É isso o que acontece na ETI Prefeito João Lyra Filho, em Caruaru (PE), onde o diálogo constante com a equipe é determinante para detectar fragilidades no dia a dia dos professores. Ana Carla Farias, coordenadora pedagógica das turmas de 8º e 9º anos, conta que as necessidades formativas são identificadas, inicialmente, nos encontros semanais do grupo. “Nessas reuniões, nós dialogamos e buscamos entender, com muita escuta, quais são as dificuldades dos professores. A partir disso, tentamos ao máximo trazer temáticas para serem trabalhadas e fazer com que esses momentos sejam, de fato, formativos e de troca de aprendizagens”, destaca.
O corpo docente conta também com o programa de ação do professor, um documento que faz parte das iniciativas da Escola da Escolha, modelo de educação integral idealizado pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) e seguido pela escola. Nele, os educadores têm um espaço para descrever quais competências precisam desenvolver e em que necessitam se aprofundar no decorrer do ano. Posteriormente, a coordenação visita esses documentos para buscar informações que ajudarão na construção de uma pauta formativa que atenda ao máximo as necessidades sinalizadas.
Flávia Beani Biani, coordenadora pedagógica dos Anos Inicias do Ensino Fundamental na EE Alfredo Paulino, em São Paulo (SP), acrescenta que, para além dos encontros com a equipe, muitas vezes é preciso uma conversa individual para identificar os temas que podem contribuir para a formação dos professores. “Enquanto gestores, precisamos conhecer o grupo para saber o que eles estão precisando mais em determinados momentos. O coordenador tem que ter essa sensibilidade em relação a cada pessoa para poder fazer as intervenções necessárias. Muitas vezes, a conversa deve ser individual justamente para chegarmos mais perto da vivência do professor.”
Observar para coletar informações
Ouvir os professores, no entanto, não se resume a apenas fazer uma pergunta e eles responderem o que querem para a formação, mas também estar atento às necessidades dos educadores. É preciso observar, por exemplo, as dificuldades que vão aparecendo no planejamento, em situações na sala de aula, no cotidiano da escola e no que eles manifestam durante as conversas.
“A percepção da gestão escolar é extremamente importante para refinar o levantamento. Senão, a gente elabora uma lista, coleta informações dos professores e faz um cronograma quando, antes de qualquer coisa, é preciso um olhar sensível para conseguir ler as dificuldades”, aponta Sonia. “Isso porque, muitas vezes, os próprios professores não vão ter muita clareza de como manifestá-las e podem trazer informações que confundem a gestão na elaboração dos temas.”
Para observar tais situações, o gestor não precisa estar o tempo todo acompanhando as aulas dos professores. “Eu posso observar atentamente transitando pelos corredores da escola, ouvindo, anotando, tendo momentos de escuta com eles, coletando informações e verificando quais temáticas vão surgindo e que merecem mais a nossa atenção”, relata Elenjusse Martins Soares, diretora da EMEF Benedita Torres, em Canaã dos Carajás (PA). Ela diz que é a partir dessa prática cotidiana que consegue contribuir com o trabalho das coordenadoras pedagógicas, especialmente em relação aos pontos que merecem mais atenção dentro da escola e da própria sala de aula.
A coordenadora Ana Carla reforça que a coordenação pedagógica deve ter um olhar muito cuidadoso em relação àquilo que é passado pelos professores, em muitas situações, até de forma indireta. Ela cita como exemplo o episódio em que os docentes tiveram que montar propostas para as disciplinas eletivas que seriam trabalhadas no primeiro semestre do ano passado na escola, que funciona em tempo integral. A gestão detectou diversas dificuldades.
“As eletivas devem ter temáticas atraentes, ser interdisciplinares e trabalhar as fragilidades dos estudantes para que, ao fim de seis meses, seja feita uma entrega à escola em cima dos pontos trabalhados”, lembra Ana Carla. “A partir dos mapas feitos pelos professores, nós percebemos que a proposta das eletivas não estava sendo assegurada e que muitos deles estavam com dificuldade na execução desse documento.”
Foi então que o tema precisou entrar na pauta das reuniões semanais. “Trouxemos informações do que são as eletivas e da sua intencionalidade, fizemos uma roda de conversa em que mostramos e discutimos exemplos de eletivas que tiveram sucesso e que foram desenvolvidas até mesmo na escola”, conta Ana Carla. “Foi um momento muito rico, com muita troca, e todos tiveram a tarefa de olhar novamente para o documento e fazer uma nova entrega à coordenação.”
Possibilidades de levantamento das necessidades
Com esses pontos em mente, o gestor pode dar sequência ao mapeamento das necessidades formativas dos professores, de forma prática, perguntando diretamente a eles sobre quais temas gostariam de se aprofundar. Isso pode ser feito tanto oralmente, durante um encontro no início do ano, quanto por meio de um formulário com perguntas objetivas. Por exemplo: quais são as suas dificuldades em relação ao planejamento?
“É interessante fazer perguntas mais diretas a partir daquilo que são temas pedagógicos, porque se eu pergunto de maneira muito aberta, também posso ter uma resposta muito ampla. E isso pode acabar resultando em algo que não ajuda muito na organização do cronograma formativo”, avalia Sonia.
De acordo com ela, perguntas específicas também podem ajudar o professor a olhar para a sua própria prática. “Posso perguntar, por exemplo: ‘qual é a sua dificuldade sobre agrupamentos produtivos?’ Com isso, ajudo o professor a pensar sobre o assunto e chegar a uma resposta”, detalha. Também posso criar uma questão de múltipla escolha para ele dizer qual é a gradação do quanto conhece ou tem dificuldade sobre determinados temas. Então, é importante a gente saber perguntar, fazer essa coleta, senão não cumprimos esse objetivo.”
Outra possibilidade, segundo a especialista, é acompanhar a prática de planejamento e desenvolvimento de aulas com o objetivo de levantar fortalezas e pontos de desenvolvimento. Observar os momentos de discussão na escola também é um passo que pode ajudar no levantamento e sistematização do que será necessário trabalhar com os professores.
Planejamento após o diagnóstico
Com as informações coletadas a partir da escuta, da observação e dos instrumentos utilizados para identificar as necessidades formativas dos professores, é hora de planejar os primeiros encontros e um calendário de formações para 2023.
Na EMEF Benedita Torres, as ações formativas são organizadas conforme o calendário anual da rede municipal. É a partir dele que o cronograma é pensado pela gestão escolar, mas só depois de uma reunião de alinhamento com toda a equipe. E o planejamento não se restringe a essa etapa. Para enriquecer as formações, direção e coordenação apostam em outras alternativas, como a plataforma AVAMEC, do Ministério da Educação, e cursos online, já que os professores fizeram diversas formações para atuar no ensino remoto durante a pandemia e estão familiarizados com o ambiente virtual.
Elenjusse salienta, no entanto, que as formações devem partir das necessidades dos educadores. “Nós temos conteúdos muito bons que são ofertados, mas que podem não ser o que precisamos no momento. Então, para esse calendário formativo, temos que partir do que realmente precisamos para que faça sentido, para que o professor queira estudar e tenha a certeza de que aquilo terá aplicabilidade na sala de aula e poderá trazer resultados”, ressalta a gestora. “Acredito que todo calendário formativo precisa partir da observação do fazer pedagógico de cada ambiente, de cada escola.”
Outro ponto importante é que o planejamento não pode ser engessado. Na EE Alfredo Paulino, por exemplo, o calendário formativo é composto mês a mês. “Isso porque, muitas vezes, a gente faz uma programação, mas no meio do caminho surge um assunto mais importante, e nós precisamos alocar os dias, especialmente porque fazemos essa formação semanalmente com o grupo todo”, comenta a coordenadora Flávia.
A gestora conta que a maioria das turmas da escola têm mais de 30 alunos e um tema recorrente é a gestão de sala de aula. “Com isso, fizemos formações focadas nessa temática, com um estudo profundo, teórico e prático, que trouxe bons resultados. Mas é um trabalho contínuo, então, sempre que precisamos, voltamos ao assunto durante as formações, pois é uma necessidade de todo o grupo”, diz. “Já aconteceu de trocarmos um outro tema para discutir esse assunto porque era o que estávamos precisando. Temos que estar sempre revisitando e ver o que a escola necessita no momento. A gente adia, remaneja, mas não deixa de fazer.”
Fonte: Nova Escola
Imagem: Getty Images
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