Entrevista: Marcos Magalhães – em defesa de um currículo nacional
- Em 19 de janeiro de 2015
O ano começou com promessas públicas de colocar a educação como prioridade no país e no estado. A presidente Dilma Rousseff garantiu, em seus discursos, elevar os índices educacionais e fazer do Brasil uma pátria educadora. O governador Paulo Câmara também firmou o compromisso. Entre os discursos e a realidade porém, um longo caminho deve ser percorrido.
Em entrevista ao Diário de Pernambuco, o presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Marcos Magalhães, comentou os desafios dos governos para colocar o país entre os melhores do mundo quando o assunto é educação. A principal bandeira defendida pelo engenheiro responsável pela revolução no modelo de ensino do Ginásio Pernambucano, replicado em centenas de unidades de ensino do estado, é a criação de um currículo nacional. Para ele, é preciso unificar os objetivos para mudar radicalmente os índices da educação.
“Não existe um responsável pela educação no Brasil”
Durante a posse do segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff anunciou como prioridade a educação. O governador Paulo Câmara também colocou o setor entre os prioritários. Os discursos mostram que estamos no caminho certo?
Historicamente, todo político que assume um cargo fala em educação como prioridade. O desafio, então, é transformar isso em ações efetivas, que repliquem lá na ponta, que é a escola. É interessante perceber que a presidente definiu como lema do segundo mandato Brasil, pátria educadora e, imediatamente, sinalizou um corte de R$ 7 bilhões na educação. O discurso e a ação foram conflitantes. Para uma mudança efetiva, precisamos contar com dois fatores: vontade política de fazer e o entendimento correto sobre quais são as transformações necessárias. Temos, hoje, um problema no modelo de governança, que é disperso, fragmentado. O governo do município é responsável pela educação infantil e o ensino fundamental. O governo estadual cuida de parte do ensino fundamental também e do ensino médio. Já o governo federal fica com o ensino superior. Então você se pergunta quem é o responsável pelo sistema educacional. Não existe um responsável pela educação no Brasil. Fala-se em regime de cooperação, mas isso é algo muito vago. Em nome da gestão democrática, a educação se transformou num sistema anárquico, pois o país não tem um currículo nacional. Implementar um currículo nacional é algo muito simples. É preciso definir o que cada criança precisa aprender em cada ano. Hoje, cada prefeitura, cada estado faz o programa educacional que quer. É até difícil falar o que melhorou ou piorou porque, em avaliações nacionais, você não está efetivamente falando de currículos que são comparáveis. Outra dimensão que precisa ser rapidamente repensada é a do professorado. O currículo das escolas de formação de professores são do século 19, com teorias pedagógicas superadas e desconectadas da realidade na sala de aula. O professor de hoje não conhece tecnologia educacional, não sabe fazer um planejamento, não sabe avaliar o resultado de uma prova, ou seja, não sabe gerir a sala de aula e não tem prática pedagógica. Em resumo, você não tem um currículo nacional, tem índices que medem currículos diferentes e forma mal o professor. Essa é a receita do fracasso e é a nossa realidade.
O que falta para o currículo nacional ser elaborado?
Tenho esperanças de que o ministro (da Educação) Cid Gomes assuma essa tarefa. O currículo nacional é algo que tem que sair do MEC, num ambiente de discussão com as secretarias estaduais de educação e especialistas do setor educacional. O ministro Cid Gomes tem uma trajetória muito rica no contexto educacional. O município de Sobral (Ceará), por exemplo, é uma cidade referência no Brasil em qualidade de educação. Ele, como prefeito da cidade, há cerca de 16 anos, começou uma revolução. O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) médio de Sobral é 7,4. Visitei escolas lá com Ideb 9 (a partir de 6 o Ibed é considerado alto). Essas taxas se assemelham a da Finlândia, referência internacional em educação. O ministro falou em reforma no ensino médio, que é algo fundamental. O ensino médio é a porta de saída do jovem para o mundo. Entenda mundo como mercado de trabalho ou academia. O Brasil tem um ensino médio com 14 matérias. Não há ser humano que aprenda bem 14 matérias em um ano. Nos países desenvolvidos, há sete matérias nessa etapa da vida escolar. Há ações, entre elas o currículo nacional, que precisam ser tomadas e carecem de vontade política.
O senhor é um defensor da parceria público-privada. Como as empresas podem ajudar os governos com relação à educação?
Em todos os países onde foi necessário realizar uma transformação educacional e ela foi feita com sucesso, essa tarefa foi consequência de uma junção entre os poderes público e privado. O empresário tem que perceber o que ele pode fazer para ajudar. É o que chamo de fazer para influir, ou seja, não adianta apenas criticar a educação dizendo que ela está ruim. O empresário tem que pensar também, desenhar algo novo e mostrar que esse modelo funciona. Foi o que fizemos com o Ginásio Pernambucano, que estava em decadência. Em conjunto com outros colegas empresários e com a concordância do então governador Jarbas Vasconcelos, mudamos aquela realidade e criamos um novo modelo de escola. Outro ponto importante é criar modelos que sejam replicáveis. Isto é, não adianta fazer uma única escola funcionar. É preciso fazer uma rede escolar funcionar e isso é muito difícil. O modelo do Ginásio Pernambucano, por exemplo, foi levado para mais de 300 escolas no estado e muitas outras no Brasil. O quarto ponto, que considero um dos mais fundamentais, é a continuidade porque a democracia pressupõe alternância de poder. Nosso papel é chamar o governo para avançar com um mesmo programa. Aqui em Pernambuco, o modelo do Ginásio Pernambucano passou por Jarbas, Eduardo Campos e, agora, Paulo Câmara. É preciso lembrar, porém, que o setor empresarial e o terceiro setor não são os donos da escola. Esse papel é do setor público. Se ele não estiver aberto à cooperação com o setor privado, não vai acontecer nada.
Igarassu adotou, recentemente, esse modelo de parceria público-privada por meio do ICE, financiado pelo Grupo Fiat, na implementação da educação integral na rede municipal. Como tem sido esse trabalho?
A Fiat, dentro da política de responsabilidade social da companhia, desejou não só implantar uma fábrica e gerar empregos, mas criar um impacto perene nas comunidades ao redor. Conversamos com a empresa e tivemos convergência de princípios. Igarassu é uma cidade onde não só a arquitetura continua no século 17. Tudo ainda é muito tradicional, convencional. Há, hoje, um empenho no processo de modernização para trazer a cidade ao século 21. A primeira vertente do trabalho em Igarassu é a formação dos professores da rede. Em três anos, iremos repassar com eles todos os temas, conteúdo e novas metodologias à luz do que foi avaliado em sala de aula. Começamos esse trabalho avaliando os quase 10 mil alunos da rede para saber onde estávamos pisando. Ao longo de 3 anos, queremos elevar o conhecimento do professorado de Igarassu para um nível muito mais alto. Em paralelo, vamos implantar no município escolas de educação integral, no modelo do ICE. A rede física ainda é muito simples e, por isso, vamos construir escolas novas, reformar unidades existentes. Com o tempo, vamos avançando para a escola do século 21, onde o aluno não apenas vai adquirir conhecimentos de língua portuguesa, matemática e ciências, mas vai desenvolver um conjunto de competências atitudinais, com consolidação de valores, como solidariedade, autonomia e cooperação.
Saiba Mais
Marcos Magalhães nasceu em Sertânia, Sertão de Pernambuco, e tem 68 anos
Assumiu a presidência da Philips na América Latina em 1996, após ter presidido a Philips América do Sul e Philips do Brasil
Graduado em engenharia elétrica pela UFPE e pós-graduado em telecomunicaçãoes na Holanda, país onde está situada a sede da Philips
Foi condecorado com a Medalha da Ordem do Mérito dos Guararapes, do estado de Pernambuco, e com a Medalha Joaquim Nabuco, da Assembleia Legislativa
Foi responsável pela recuperação da Casa dos Estudantes de Pernambuco e do Ginásio Pernambucano, onde estudou, durante o governo Jarbas Vasconcelos
Atualmente, é o presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)
Por: Anamaria Nascimento – Diário de Pernambuco
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