Como protagonismo e Projeto de Vida ajudaram escola a dar a volta por cima
- Em 29 de novembro de 2022
Em celebração aos 10 anos de Porvir, retomamos a história do Ginásio Pernambucano, que teve uma guinada em sua trajetória quando investiu na postura ativa de seus estudantes
Há quem diga que o segredo para a melhoria da qualidade da educação no Brasil está com os próprios estudantes. A experiência do Ginásio Pernambucano prova exatamente isso. Fundado em 1825 e escola de nomes como o ex-presidente Epitácio Pessoa, Ariano Suassuna e Clarice Lispector, o colégio foi fechado no final dos anos 90 devido a sua decadência física, pedagógica e de gestão.
Thereza Barreto, diretora pedagógica do ICE Brasil (Instituto de Corresponsabilidade pela Educação), organização responsável pelo modelo educacional que, mais tarde, reabriria a escola, conta que esses desafios, aliados a previsões preocupantes sobre os indicadores educacionais do ensino médio de Pernambuco, pintavam o retrato da educação oferecida à juventude brasileira: baixos indicadores de aprendizagem, altos índices de evasão e baixa oferta de políticas afirmativas, e por consequência, baixos níveis de ambição dos jovens.
Foi por iniciativa de um ex-aluno do Ginásio que um grupo de empresários foi mobilizado para integrar um movimento de recuperação da instituição de ensino a partir da concepção da Escola da Escolha, modelo de educação integral idealizado pelo ICE como uma nova escola para a juventude brasileira, centrada no protagonismo do estudante e no desenvolvimento de seu Projeto de Vida.
“Esse novo modelo de educação trouxe sentido e significado para a educação na vida do jovem, que é formado para construir um projeto para a sua vida e desenvolver um conjunto muito amplo de competências e habilidades fundamentais para atuar diante dos desafios e usufruir das oportunidades trazidas por este século”, explica Thereza.
Mudanças institucionais
Colocar o estudante e seu Projeto de Vida no centro das decisões de natureza pedagógica e de gestão demandou mudanças profundas de atitude de toda a equipe escolar, que passou a enxergar os estudantes como parte da solução dos problemas, e não sua fonte.
Os educadores passaram a seguir princípios educativos que determinam que as práticas pedagógicas tenham como foco as necessidades e potencialidades do estudante para a elaboração de seu Projeto de Vida.
Tudo isso em um currículo que considera as competências pessoais, sociais e emocionais tão fundamentais como a cognitiva, e em uma escola que tem os pais e familiares como atores fundamentais no apoio ao estudante. “O conjunto de práticas e vivências propostas nas escolas integrais, que são as escolas de referência, tem como objetivo uma melhor contribuição no desenvolvimento de competências técnicas, mas também das habilidades socioemocionais, muito requeridas no mercado de trabalho”, explica Marcelo Barros, secretário de Educação e Esportes de Pernambuco.
Currículo transformado
Para possibilitar as mudanças pretendidas, foi desenvolvido um currículo com uma diversificação de componentes para oferecer uma formação interdimensional humana, enriquecendo os conhecimentos acadêmicos e de experiência social dos estudantes.
São aulas de Projeto de Vida e de estudo orientado, disciplinas eletivas semestrais, trilhas de aprendizagem na perspectiva do Novo Ensino Médio, além de práticas e vivências em protagonismo a partir dos Clubes de Protagonismo e Líderes de Turma e disciplinas complementares, como educação socioemocional e idioma alemão, oferecido em parceria com o Instituto Goethe.
“Construir um Projeto de Vida não é algo protocolar, mas um conjunto de iniciativas práticas e vivências. O primeiro passo é discutir identidade, autoconhecimento, autocuidado, autoestima para que o jovem identifique suas competências e habilidades. É necessário que ele acredite em si, comece a projetar o futuro e reconheça a escola como um espaço que o enxerga de maneira integral, o acolhe e o apoia em suas decisões”, aponta Marcelo.
Thereza explica que o modelo educacional une os componentes da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e uma parte de formação diversificada, o que oportuniza experiências contextualizadas ao estudante, considerando suas necessidades e interesses.
Construir um Projeto de Vida não é algo protocolar, mas um conjunto de iniciativas práticas e vivências
Marcelo Barros, secretário de Educação e Esportes de Pernambuco
“Acreditamos que a inovação do modelo da Escola da Escolha é o caminho para formar jovens que constroem seus projetos de vida, que são protagonistas solidários porque fazem parte da solução de problemas reais, que são autônomos pois são capazes de tomar decisões baseadas em seus conhecimentos e princípios e, finalmente, são competentes porque têm clareza sobre a necessidade de continuar a desenvolver habilidades para atuar em um mundo em processo de transformações.”
Protagonismo
Depois da reabertura do colégio em 2004, que hoje leva o nome de Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Ginásio Pernambucano Aurora, o aprendizado foi diário. Oscar Neto, gestor da escola, explica que, atualmente, a construção protagonista acontece de forma mais organizada e sistemática. Além de disciplinas que buscam desenvolver e estimular o protagonismo, os estudantes são encorajados a participar de ações como acolhida aos novatos pelos veteranos, o conselho de líderes e outras ações da rede estadual.
Analisamos periodicamente os resultados das turmas e fazemos uma conversa individual com os estudantes considerados críticos, assim como buscamos envolver as famílias neste processo.
Oscar Neto, Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Ginásio Pernambucano Aurora
“São medidas que elencam mais robustez a um posicionamento mais ativo diante da sociedade pelo jovem. Um outro detalhe é a realização de avaliações institucionais periódicas, onde os estudantes podem avaliar seu cotidiano e a sua escola, assim como a eficácia docente de nossa equipe, possibilitando mais reflexão e melhores estratégias de ensino e de aprendizagem”, aponta Oscar.
O gestor reforça que além de terem a oportunidade de avaliar a escola, os jovens também são envolvidos na análise de seus próprios resultados de aprendizagem, juntamente com os professores. “Analisamos periodicamente os resultados das turmas e fazemos uma conversa individual com os estudantes considerados críticos, assim como buscamos envolver as famílias neste processo.”
Resultados
As inúmeras e profundas mudanças surtiram efeito. Quando o colégio foi reaberto em 2004, já foi possível notar diferenças na atitude dos estudantes diante de seus estudos, o envolvimento e compromisso de familiares, além do corpo docente e técnico estimulado.
“Em 2006, ano em que se formou a primeira turma do Ginásio Pernambucano, a média no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) foi 48, quatro pontos superior à nacional e seis acima da estadual. Nos anos seguintes as metas e resultados foram superados, a exemplo dos expressivos percentuais de aprovação nos vestibulares das universidades públicas, os níveis de empregabilidade junto aos que optaram não ingressar em uma universidade, além da redução da evasão ao percentual zero”, aponta Thereza.
A diretora pedagógica comenta que os excelentes resultados das formações dos estudantes passaram a ser vistos não mais como algo extraordinário, mas como parte de um processo pedagógico apoiado pela gestão, ou seja, uma condição natural diante do trabalho da equipe e do próprio estudante, que atua ativamente como corresponsável para seu sucesso.
É preciso determinação para adotar um modelo paradigmático que rompe com crenças como a de que ‘o sistema público é problema dos governantes’ ou que ‘se os estudantes forem protagonistas, teremos muita desordem na escola’. Nenhuma delas é verdadeira.
Thereza Barreto, diretora pedagógica do ICE Brasil (Instituto de Corresponsabilidade pela Educação)
Para Marcelo Barros, o segredo está em buscar sempre as melhores formas de contribuir para o desenvolvimento dos jovens, uma vez que a educação está em constante transformação. Graças a essa postura atenta, Pernambuco é, hoje, um estado referência nacional no Ensino Médio.
Projeto de Vida é, hoje, uma disciplina na matriz curricular da escola, como explica Oscar Neto. Integrada em todas as séries do ensino médio, o componente busca explorar a identidade, o convívio em comunidade, a resiliência, o protagonismo e a própria construção do Projeto de Vida.
Thereza finaliza ao reforçar a importância da aposta em inovações e rompimento de crenças que, apesar de há muito estabelecidas, não têm necessariamente fundo verdadeiro. Para a diretora, um dos principais aprendizados na esfera institucional é que não é possível esperar resultados melhores se as práticas continuam as mesmas.
“É preciso determinação para adotar um modelo paradigmático que rompe com crenças como a de que ‘o sistema público é problema dos governantes’ ou que ‘se os estudantes forem protagonistas, teremos muita desordem na escola’. Nenhuma delas é verdadeira. A sociedade civil precisa se envolver e se engajar, a exemplo do que fizemos há 20 anos em Pernambuco. Da mesma forma, tempos e espaços para desenvolver o protagonismo dos jovens requer estudo, disciplina e formação de competências, tanto no estudante como na equipe escolar.”
Fonte: Porvir
Imagem: Secretaria de Educação de Pernambuco
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