Adoção do estudo em tempo integral melhora resultados no ensino médio
- Em 22 de agosto de 2022
Levantamento mostra que escolas com mais tempo de aula apresentam desempenho superior no indicador de desenvolvimento da educação
Escolas públicas de ensino médio pelo país estão ganhando um novo perfil. A mudança não atrai muitos holofotes, mas os resultados surpreendem educadores. É uma mudança que parece simples: os alunos estão estudando mais.
Em vez das 4 ou 5 horas na escola por dia, eles ficam de 7 a 9 horas. O Censo Escolar de 2021 mostrou que havia 960 mil matrículas em escolas de ensino médio com o chamado tempo integral – o que equivalia a cerca de 15% de todas as matrículas do ensino médio estadual. Pelo censo, 4.300 escolas ofertavam essa modalidade, quase 22% do total. Este ano, o número de matriculados já passou de 1 milhão, segundo estimativas de dois especialistas que acompanham o avanço do modelo.
O ensino médio em tempo integral é uma iniciativa que começou na base, nas secretarias estaduais de Educação e que só depois ganhou apoio federal.
O ensino médio em tempo integral é mais caro que o regular e requer adaptação no currículo, reorganização escolar e mudança na rotina das salas de aula. A fórmula, no entanto, traz muitos resultados positivos, dizem professores, diretores, acadêmicos, famílias, alunos e organizações do terceiro setor.
Os primeiros dados sobre os efeitos atribuídos ao tempo integral surgiram em Pernambuco. O Estado apostou no sistema no início dos anos 2000. Pernambuco amargava em 2007 um dos piores desempenhos no ensino médio público do país. Estava na 21ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), segundo o Instituto de Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Em 2015, já com uma experiência consolidada do tempo integral, tornou-se o segundo melhor do Brasil, na época atrás apenas de São Paulo.
A ideia havia sido impulsionada pelo presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), Marcos Antônio Magalhães – engenheiro com carreira na área corporativa e que chegou a presidente da Philips no Brasil. Magalhães resolveu abraçar a causa de ajudar o governo a recuperar o prestígio e a qualidade da escola onde havia estudado no Recife, o Ginásio Pernambucano.
A experiência levou o governo do Estado a replicar o tempo integral no ensino médio. Em 2007, eram 20 unidades desse tipo; em 2015, 300; e hoje são 532, segundo a Secretaria estadual de Educação.
“Às vezes as pessoas veem o tempo integral como se fosse a descoberta da pólvora, mas estamos muitas décadas atrasados em relação ao que já existe em Estados nos Estados Unidos e em países europeus, onde a carga horária já é mais longa”, comenta Magalhães. A carga horária adotada no Brasil de 4 a 5 horas é uma marca, acrescenta ele, ainda de um período em que a oferta de escolas no Brasil era insuficiente e a solução foram turnos mais curtos para permitir mais matrículas por escola.
Outros Estados passaram a replicar o modelo do ensino médio integral. O modelo avançou mais na região Nordeste.
Paraíba, que em 2017 tinha pouco mais de 10% das escolas com esse perfil, tem hoje quase 70%. Ceará saltou de quase 30% para pouco mais de 50%. Alagoas, de cerca de 15% para quase 50% hoje. Sergipe também fez uma evolução de cerca de 10% para 40% entra 2017 e este ano. Pernambuco aparece em primeiro, com mais de 70%. Os números são do Censo Escolar 2021 e nas estimativas feitas pelo Instituto Sonho Grande, organização do terceiro setor que vem atuando para ajudar Estados a implementar e expandir o modelo.
Em 2016 o governo federal ofereceu ajuda para custear a ideia: R$ 2 mil por aluno. Mais Estados aderiram à proposta. Nos últimos dois anos, a participação federal não
“A jornada estendida tem maior carga horária de Língua Portuguesa e Matemática, principalmente”, diz Ana Paula Pereira, diretora-executiva do Sonho Grande. “Mas, além disso, a grade curricular é preenchida com componentes que são muito importantes para o desenvolvimento integral. E os dois principais são o projeto de vida e o protagonismo juvenil.”
“Projeto de vida é conceito que se tornou parte da grade, tema de aulas específicas, em que professores ajudam os estudantes a refletir sobre autoconhecimento, seus interesses, sua personalidade, suas atitudes”, prossegue. A ideia é que isso se transforme ao longo dos três anos do ensino médio em uma avaliação mais consciente por parte dos estudantes sobre que área escolher no ensino superior ou técnico e sobre mercado de trabalho. Disciplinas eletivas ligadas a futuras atividades profissionais também são parte do ensino integral.
O reforço nas matérias convencionais associado à dedicação às chamadas “soft skills”, ou habilidades sócio-emocionais, demanda carga horário superior à do ensino regular.
“O tempo integral é fundamental para viabilizar o desenvolvimento do estudante”, diz Roberto Campos, vice-presidente do Instituto Ayrton Senna, que capacita professores para redes estaduais.
Pesquisas e análises mostram também melhora no nível de aprendizagem e do comportamento, redução da evasão, mais facilidade na recuperação de alunos com déficit em algumas disciplinas, redução de episódios de violência e chances maiores de empregos mais bem remunerados. Um estudo em Pernambuco correlaciona o tempo integral com redução de homicídios de jovens.
“A escola de ensino médio integral vai ser uma grande ferramenta para redução da desigualdade”, diz David Saad, do Instituto Natura. “No final, ela chegará a todos. Mas se esse modelo começar pelas escolas mais vulneráveis, como os Estados têm feito, é possível ir reduzindo essa desigualdade ao longo do processo.”
Se é a solução, por que o ensino integral não deslancha mais depressa? Um problema pode ser falta de recursos. O custo do integral pode chegar ao dobro do regular. Mas Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e membro do Centro de Evidências da Educação Integral da instituição, faz uma ressalva. “Essa revolução da educação integral é uma revolução nordestina, liderada por Pernambuco. Entre os Estados que mais avançaram nisso são Pernambuco, Paraíba, Ceará, Alagoas, Sergipe. Todos pobres.”
Ele diz que talvez mais do que falta de recursos, o que possa faltar a alguns Estados seja prioridade para essa pauta. Governadores podem preferir aumentar o salário dos professores ou outros gastos com educação a apostar no integral.
Uma meta do Plano Nacional de Educação é que 50% das escolas e 25% das matrículas – não só no ensino médio, mas todas as etapas do ensino básico – seja integral. “Onde esse modelo é adotado a situação melhora”, diz Paes de Barros.
Há duas décadas como diretora da Escola Estadual Dom Miguel Kruse, no Jardim Danfer, na Zona Leste de São Paulo, Ângela Reis Lombardi diz que a melhora é evidente.
A escola é uma das 1.600 da rede estadual com ensino médio integral. Cerca de 350 mil alunos estão nesse regime. O Estado tem mais de 3.600 escolas com ensino médio. No ano passado, o custo anual por estudante do médio na rede estadual foi de R$ 4,9 mil; o custo do estudante do ensino integral foi de R$ 8,1 mil. A Secretaria de Educação diz que já no Ideb de 2019, as primeiras escolas que tinham aderido ao tempo integral tiveram crescimento de 32% em seu desempenho no indicador.
“Faz diferença ter um tempo maior de aulas. Estabelecemos mais vínculos com os alunos, os professores têm mais tempo para estudar, para preparar planos de aula, e estão mais disponíveis para dúvidas e conversas. O custo do integral é mais alto, mas eu te falo: o resultado é outro”, diz a diretora.
A escola passou a ter ensino integral em 2020, mas com a pandemia, a nova rotina começou para valer no segundo semestre do ano passado. Das cinco aulas por dia, a escola passou a ter oito. Antes eram cinco horas de aulas, agora são sete. Ainda há ajustes a fazer. “Ainda não chegamos lá, mas já percebemos mudanças no comportamento dos alunos”, diz a coordenadora pedagógica geral Eliete Gonçalves de Oliveira Souza.
Aos 17 anos, Andrey Nonato Silva, do 3º ano do médio, diz que no começo os alunos precisaram se adaptar à ideia de ficarem mais tempo na escola. Eles têm mais aulas de língua portuguesa, matemática e outras matérias. “Mas também temos as aulas eletivas, o projeto de vida, a tutoria, tem a horta, laboratório, aulas em espaço aberto.” Ele entra às 14h30 e deixa a escola às 21h30. Vai a pé para casa. O tempo livre ficou menor. E meio contrariado, meio rindo, diz: “Hoje eu nem toco mais no videogame.”
Por Marcos de Moura e Souza – Valor Econômico
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